O Primeiro Seminário Científico sobre o queijo
Canastra, que aconteceu durante o Festival do Queijo Canastra, entre 15 e 17 de
junho na cidade de São Roque de Minas, expôs as dificuldades dos produtores:
faltam pesquisas sobre o produto feitas em ambiente local, que levem em conta o
ecossistema local. Organizado pelo Centro de Pesquisa em Alimentos (FoRC – Food
Research Center) em parceria com a Emater MG, o seminário teve como objetivo a
apresentação dos resultados do trabalho que o FoRC vem realizando junto aos
produtores da Canastra, a devolução dos laudos microbiológicos de 78 amostras
de queijo e a discussão sobre as próximas etapas das pesquisas. Durante o
evento foi lançada a Rede de Pesquisas em Queijos Artesanais Brasileiros
(Repequab) e uma cartilha de boas práticas para os produtores.
“Nós não temos pesquisa suficiente com o
nosso sistema produtivo e temos informação contraditória de diferentes
pesquisas. Isso não nos dá segurança para discutir as portarias que, para nós,
deveriam passar por uma revisão”, opina João Carlos Leite, presidente da
Associação de Produtores do Queijo Canastra (Aprocan) e um tradicional produtor
da Serra. Ele cita, por exemplo, o estabelecimento de diferentes períodos de
maturação para queijos oriundos das sete regiões produtoras de MG: Araxá, Serra
do Salitre, Serro, Campo das Vertentes, Canastra, Cerrado e Triângulo Mineiro.
“No meu entender, essa especificação não tem um embasamento propriamente
científico e poderia ser revista.” Ele adianta que, em breve, haverá um
laboratório na cidade que os pesquisadores poderão utilizar para realizar
estudos in loco.
A maturação é o tempo decorrido entre a
produção do queijo e o momento propício para sua comercialização. Na Canastra,
o tempo mínimo é de 22 dias. Na região do Serro, em 17 dias o produtor tem um
queijo maduro. Em Araxá, esse período é de 14 dias. Os cientistas afirmam que a
maturação é importante porque, durante esse período, as bactérias láticas se
multiplicam muito e acabam eliminando ou reduzindo a contagem de outros
micro-organismos indesejáveis que estão no alimento.
“Micro-organismos, como bactérias, vírus,
bolores e leveduras, são atores da produção do queijo e também podem atuar no
controle de patógenos, como demonstraram pesquisadores de Campinas, que
publicaram este ano um trabalho mostrando que as bactérias láticas podem
proteger contra as bactérias que a gente não quer que estejam dentro do
queijo”, explicou o pesquisador visitante do FoRC, Gustavo Lacorte, do
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais (IFMG). “O
queijo é uma coisa viva, dinâmica. Características como aroma, sabor, cor,
textura e outros dependem dos micro-organismos que estão lá dentro e que
interagem entre eles e com o meio, o tempo todo. Cabe aos pesquisadores saber
quem são esses micro-organismos que estão lá, como agem e interagem e o que
produzem.”
Uma das maneiras de entender esse
microcosmo que é o queijo é o uso de ressonância magnética nuclear para
analisar a composição química oriunda do metabolismo desses micro-organismos,
técnica chamada de metabolômica. “É possível identificar moléculas pequenas ou
presentes em pequenas quantidades. Se conseguirmos, por exemplo, discriminar
algum marcador que nos leve a estabelecer uma ‘impressão digital’ daquele
alimento, pode-se invocar o apelo de denominação de origem. Agregando valor e
estabelecendo uma denominação de origem, é possível ter um produto que seja
tipo exportação”, revelou a química Maria Carolina Bezerra di Medeiros Leal, da
Universidade Estácio de Sá.
Gado
saudável e boas práticas – Entre os micro-organismos que
causam mais problemas alimentares estão Staphylococcus
aureus; Escherichia coli patogênicas; Salmonella
spp. e Listeria monocytogenes. O
Professor Uelinton Pinto, pesquisador do FoRC, chamou a atenção para a
necessidade de impedir o acesso das bactérias perigosas à queijaria.
Ele forneceu os dados sobre as amostras de
queijo recolhidas dos produtores locais e analisadas microbiologicamente. “A
boa notícia é que das 78 amostras de queijo que avaliamos aqui na Canastra,
nenhuma deu positivo para Salmonella
e apenas uma deu positivo para Listeria.
Se pegássemos a legislação sanitária de Minas Gerais e fizéssemos um
cotejamento, o panorama seria o seguinte: 38,5% das amostras analisadas atendem
à legislação em todos os requisitos e 61,5%, não.”
Estratificando esse resultado, o quadro é
o seguinte: 19% não atenderam aos requisitos de coliformes totais; 18% não
atenderam ao limite de E. coli
previsto na legislação e 48% não atenderam às normativas sobre presença de Staphylococcus aureus. “Precisamos
estudar melhor os resultados, mas adianto que eles incluem desde o produtor que
não atendeu a determinado padrão por uma diferença mínima até o que passou
relativamente longe dos limites estipulados.” Uelinton ressalta também que os
limites estabelecidos pela legislação precisam ser revistos levando em
consideração um estudo de avaliação de risco.
Pesquisadora associada do FoRC, Cynthia
Jurkiewicz Kunigk analisou as amostras de pingo
dos produtores e sua ação sobre os coliformes. “Levamos o pingo daqui e tentamos reproduzir o queijo com e sem pingo.
Maturamos 22 dias, em temperatura
e umidade médias da Serra. Utilizamos três pingos diferentes de produtores diferentes,
todos de boa qualidade, mas usamos um leite cru fornecido pela indústria – especialmente para nosso trabalho. Neste
caso, a contagem de coliformes permaneceu alta após a maturação”, relatou.
“Então, resolvemos usar o leite que recebeu tratamento térmico: e nesse segundo
experimento reduzimos os coliformes e vimos o pingo agir.” A conclusão, segundo
ela, é que se o leite for de boa qualidade, a maturação e o pingo fazem a
diferença.
A saúde do gado é condição para um leite
de boa qualidade, como reiterou Renison Teles Vargas, do IFMG de Bambuí. Ele
alertou para o crescimento alarmante da presença de Staphylococcus aureus nas propriedades rurais mineiras e falou
sobre as zoonoses mais preocupantes.
“Hoje, a brucelose em Minas tem se mantido
em níveis estáveis. O Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA) faz um trabalho
nesse sentido há bastante tempo, mas não ainda obteve sucesso total no controle
nas fazendas comerciais. O produtor de queijo minas artesanal tem de ter em
mente que precisa trabalhar com um rebanho livre de brucelose, vacinar as
fêmeas”, alertou o professor, do IFMG. Uma das dicas dele para os produtores é
que trabalhem com rebanho fechado (obtido pelo cruzamento de animais do próprio
plantel do produtor). Já o tratamento para o gado contaminado por tuberculose
não é permitido e não existe vacina para os animais.
Segundo Uelinton, há dúvidas sobre a
capacidade da maturação do queijo de eliminar os micro-organismos causadores da
brucelose e da tuberculose, uma vez que os estudos sobre maturação, até o
momento, não avaliaram o efeito sobre estes micro-organismos.
Qualidade
e riscos – A professora Mariza Landgraf, do FoRC, começou
discutindo qualidade dos alimentos. “A qualidade de um alimento são as
características aceitáveis nele. E isso varia de cultura para cultura, pois a
percepção de qualidade muda. Ela leva em conta fatores externos, como
aparência, textura e sabor; fatores internos – químicos, físicos, microbianos –
e outros, como as normas federais de cada país, por exemplo”, explicou.
Em sua apresentação, ela listou alguns
casos recentes de surtos provocados por queijos feitos com leite cru: um de
contaminação por Listeria monocytogenes,
nos EUA, que redundou em oito casos de hospitalização e duas mortes. Um outro
na França, que está acontecendo neste momento com o queijo tipo Reblochon, especialidade cremosa dos Alpes,
contaminado por Escherichia coli. Em
2014, o Reblochon já havia tomado as
manchetes dos jornais franceses após uma grave crise sanitária que incendiou as
mídias. Após o escândalo, foi instituído o programa Pass Lait Cru, do qual todos os produtores franceses de leite cru
devem participar.
Mariza
também lembrou de um caso recente no Canadá envolvendo o queijo Gouda, famoso e exportado para o mundo
todo. “O caso se deu em 2013 e era um Gouda
feito com leite cru, com mais de 60 dias de maturação. Não houve óbitos, mas 29
pessoas foram afetadas, em cinco diferentes províncias. Temos de unir nossos
esforços para evitar que problemas como esses aconteçam com os produtores da
Canastra. A minha função não é apavorar ninguém, mas ajudar. Estamos aqui para
ajudar.”