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Fungos na casca dos queijos artesanais: relação complexa entre sabor, segurança e identidade.

Embora as bactérias do interior dos queijos artesanais, como o queijo Canastra, sejam mais conhecidas por sua influência na fermentação e no desenvolvimento de suas características sensoriais, estudos indicam  que a variedade de fungos na casca do queijo também contribui para a textura, aroma e sabor, possibilitando modificações na produção artesanal. No entanto, deixar esses fungos crescerem livremente para criar um queijo com aspecto único não é uma prática isenta de riscos ou de efeitos indesejados. Um dos maiores riscos e grande preocupação para a segurança dos alimentos é a existência de substâncias tóxicas produzidas por alguns tipos de fungos, as chamadas micotoxinas. Sua ingestão pode causar diversos problemas de saúde, desde intoxicações leves até doenças graves como câncer.

Em  estudo recente de Caio Marcelão no Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital)  financiado pela FAPESP, observou-se a presença de ocratoxina A (OTA) em queijos artesanais brasileiros, especialmente em algumas amostras de queijos artesanais mineiros. O nome “ocratoxina”  se deve ao  aspecto ocre dourado que o bolor produz, mais escuro que a cor habitual do queijo. A ocratoxina A (OTA) é uma toxina produzida por diversas espécies do fungo Aspergillus, principalmente os classificados como pertencentes à seção Circumdati e à seção Nigri. O pesquisador Caio Marcelão, juntamente com a orientadora Marta Taniwaki e equipe, analisaram amostras de queijos de 6 produtores da região da Canastra no estado de Minas Gerais, por ser esta a maior região produtora de queijos artesanais do país; 13 amostras de um produtor da região de Amparo no estado de São Paulo e 36 amostras coletadas de mercados destes 2 estados (MG e SP). No total, das 130 amostras  de queijo, a OTA foi encontrada em 28 amostras, representando 22% do todo. Os pesquisadores também fizeram o isolamento de fungos das amostras e todos os representantes de Aspergillus da seção Circumdati (42 isolados)  comprovaram ser produtores de OTA. 

A pesquisa também indica que provavelmente a quantidade de ocratoxina A aumenta com o tempo de maturação do queijo, tornando-se mais prevalente após 30 dias desse processo. Os queijos artesanais do Brasil geralmente são vendidos com maturação rápida, entre 14 e 22 dias, mas podem ser curados por mais de 90 dias em cavernas ou salas de cura, a depender do interesse do produtor. Esses locais possuem microrganismos próprios, que variam de acordo com a região, clima e condições naturais, e favorecem o crescimento de diferentes tipos de fungos no queijo, inclusive os que produzem toxinas como a ocratoxina A (OTA), caso medidas de controle não sejam adotadas. As “cavernas” são salas subterrâneas, naturalmente úmidas e com microrganismos próprios, propiciando o desenvolvimento de diferentes tipos de fungos, que se propagam inicialmente na casca do queijo e se infiltram nas camadas internas, por meio de rachaduras ou diretamente se a consistência for mais macia. A pesquisa mostrou que os queijos que apresentam  um aspecto ocre dourado, não devem ser consumidos pois é onde se concentra a maior quantidade de OTA. Além disso, a pesquisa buscou auxiliar os produtores a melhorar a qualidade dos queijos e reduzir os riscos à saúde. Ressalta-se a importância de aprimorar a limpeza da casca dos queijos embolorados ao fim da maturação (processo denominado toilette) fora do local de maturação, para evitar a dispersão dos esporos dos fungos nestes locais. Os manipuladores devem realizar este procedimento com máscaras a fim de evitar processos alergênicos.

 A pesquisadora Marta Taniwaki integra o grupo técnico de Contaminantes de Alimentos da Anvisa, contribuindo para a criação de normas para reduzir os níveis de micotoxinas em alimentos, como OTA em café. Essas normas foram incorporadas em um documento do Comitê Codex de Contaminantes de Alimentos (CCCF), após Taniwaki coordenar o estudo em 2006 e acompanhar a exportação de café verde para a Europa. Através de análises químicas, o estudo verificou que a produção de OTA aumentava com a umidade dentro dos contêineres durante o transporte, detectando aumento de fungos que produziam OTA com a umidade nos contêineres. As descobertas, publicadas em 2007, geraram medidas para evitar os fungos no café. No caso dos queijos, que não passam por processo de torração ou aquecimento como o café, a OTA representa uma preocupação ainda maior, pois a toxina pode persistir.

Portanto, a pesquisa do Ital tem como um dos objetivos determinar os níveis máximos toleráveis de ocratoxina A (OTA) em queijos para o consumo humano. No Brasil, ainda não existe nenhuma regulamentação específica que defina o teor máximo desta micotoxina em queijos em geral. O estudo é pioneiro no país, pois poucos foram realizados sobre a presença de fungos produtores de OTA em queijos brasileiros. A investigação contribuirá significativamente para o conhecimento sobre a exposição à OTA através do consumo de queijo, tanto no Brasil quanto no cenário internacional. Os resultados do estudo devem impactar as autoridades e organizações a estabelecer um código de práticas para prevenir e reduzir a contaminação por OTA em queijos. Além disso, a pesquisa auxiliará na definição de limites máximos permitidos da micotoxina, assegurando parâmetros que garantam a segurança dos alimentos para os consumidores.